A falta de vagas para a internação de pacientes costuma ser uma dor de cabeça constante para gestores do setor. Isso implica no precário atendimento e custos para as instituições. E para lidar com essa realidade — a qual não é só uma preocupação do sistema público de saúde, a desospitalização surge como um modelo que vai muito além da alta hospitalar. Trata-se de uma forma segura e eficaz de garantir que o paciente volte mais cedo para a sua rotina.
Quem explica porquê é a enfermeira Cassiana Prates, consultora nas áreas de Segurança do Paciente, Controle de Infecções e Gestão em Saúde, integra a equipe da Eficiência Hospitalista. “A desospitalização segura é uma tendência mundial, com vantagens tanto para o paciente quanto para o sistema de saúde. Isso porque possibilita a otimização dos leitos para internação e redução de custos, racionalizando os finitos recursos da saúde”, afirma Cassiana, que também é coordenadora do Serviço de Epidemiologia e Gerenciamento de Riscos do Hospital Ernesto Dornelles (RS).
Confira a entrevista e entenda melhor sobre a desospitalização:
Eficiência Hospitalista – A palavra desospitalização parece ter um significado óbvio. Mas ela representa muito mais do que a alta do paciente. Como podemos explicar isso?
Cassiana Prates – Desospitalização é muito mais do que a alta hospitalar. Ou seja é possibilitar ao paciente, quando indicado, a continuidade do seu tratamento fora do hospital. Isso se dá por meio de uma assistência ambulatorial, hospital-dia ou, ainda, atenção domiciliar.
Até pouco tempo atrás não se imaginava que um paciente poderia dar seguimento ao seu tratamento fora do hospital. Porém, com o avanço tecnológico, do conhecimento científico, dos novos medicamentos, dispositivos, técnicas cirúrgicas e métodos terapêuticos, os tratamentos passaram a ser menos invasivos e mais eficientes. Sendo assim, reduzindo o tempo de hospitalização e possibilitando o retorno precoce do paciente às suas atividades cotidianas.
A desospitalização segura é uma tendência mundial, com vantagens tanto para o paciente, no diz respeito a um maior conforto, convívio familiar e segurança, quanto para o sistema de saúde. Desse modo, possibilita a otimização dos leitos para internação e redução de custos, racionalizando os finitos recursos da saúde.
EH – O que é preciso levar em consideração, dentro da instituição, para que a desospitalização posso ocorrer de forma correta?
CP – É importante saber que o processo de desospitalização não se inicia no dia da alta hospitalar e não depende, exclusivamente, do médico assistente. O paciente necessita, desde o momento da sua ADMISSÃO, ser preparado para este dia. Idealmente, uma equipe multidisciplinar composta por enfermeiro, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e nutricionista, juntamente com o médico, deve orientar, constantemente, o paciente e sua rede de apoio (familiares e ou cuidadores) sobre o plano de cuidados. Assim, garantindo que essas orientações sejam efetivamente compreendidas para posterior seguimento, fora do ambiente hospitalar.
Além de uma equipe preparada e engajada nesse processo é importante que a instituição disponha de um adequado sistema de informação. Isso vai possibilitar o gerenciamento dos leitos, previsão de altas, relatórios sobre permanência hospitalar e sinalização de pacientes com tempo de internação prolongado ou que se enquadram nos critérios para desospitalização.
Estamos na era da transformação digital! Inteligência artificial, bigdata, machine learning e telemedicina já são uma realidade nos serviços de saúde e estão presente na vida das pessoas. Essas tecnologias e outras que ainda estão por vir contribuem para que os processos internos sejam ágeis e eficientes. E, no ambiente extra hospitalar, para que os pacientes sejam monitorados de forma remota, garantindo segurança e uma melhor experiência.
EH – O modelo pode ser aplicado tanto na rede pública como privada?
CP – O modelo pode ser aplicado e tem inúmeras vantagens, tanto para o sistema público quanto para o privado. Especialmente no que diz respeito a otimização da capacidade instalada, redução dos custos e segurança do paciente. Por exemplo, um paciente que permanece dias além do necessário no hospital implica no atraso para admissão de outro paciente que está aguardando para internar. Portanto, isso gera insatisfação dos usuários e superlotação nos serviços de emergência e unidades de pronto atendimento. Além disso, quanto maior o tempo de permanência, maior o risco para ocorrência de eventos adversos. Como infecção hospitalar, lesão por pressão e quedas.
“O modelo pode ser aplicado e tem inúmeras vantagens tanto para o sistema público quanto para o privado. Especialmente no que diz respeito a otimização da capacidade instalada, redução dos custos e segurança do paciente.”
EH – Quais são as etapas da desospitalização?
CP – Em primeiro lugar é identificar os pacientes que se beneficiariam com esse modelo de assistência. Por exemplo, aqueles internados apenas para antibioticoterapia ou em tratamento de feridas ou doentes crônicos com estabilidade clínica. Em segundo lugar, organização extra hospitalar para seguimento do plano de cuidados, identificando as necessidades e os recursos necessários para cada paciente. Ao mesmo tempo, orientações e preparo do paciente e de sua família para esse processo, o que garante adesão ao tratamento pós alta.
EH – Qual a importância de uma equipe multidisciplinar nesse processo?
CP – A equipe multidisciplinar, em conjunto com o médico assistente, tem papel fundamental no processo de desospitalização. Cada profissional, de acordo com seu nicho de conhecimento, atua visando a desospitalização segura. Os enfermeiros, em geral, são responsáveis pelas orientações de cuidados com sondas, drenos e curativos; os nutricionistas pela adequada nutrição do paciente; os fisioterapeutas pela reabilitação motora e respiratória; a psicologia no suporte emocional e a assistente social atua, especialmente, na articulação com as redes de apoio para a alta.
“A equipe multidisciplinar, em conjunto com o médico assistente, tem papel fundamental no processo de desospitalização”
EH – A desospitalização não acaba quando o paciente deixa o hospital. O que acontece com o paciente após a alta?
CP – O paciente deverá ser acompanhado e monitorado. Seja pelo médico assistente ou outra forma de acompanhamento, como assistência domiciliar, garantindo a continuidade do plano de cuidado estabelecido. Além disso, devemos tratar o momento pós alta hospitalar como um período de grande vulnerabilidade para o paciente.
Os primeiros 30 dias pós-alta (principalmente os sete dias iniciais) perfazem o período em que existe a necessidade de se implementar várias estratégias. Visando garantir a continuidade do cuidado fora do hospital por equipe multiprofissional, por meio de visitas presenciais, tele monitoramento, ligações telefônicas e consultas médicas precoces.