Vinícius Sabedot Soares*
A internação hospitalar é um recurso imprescindível para o tratamento de muitos pacientes, porém nem sempre nós a executamos da forma mais segura e eficiente possível.
Nestes tempos de pandemia da COVID-19 com alta demanda de leitos de internação, conseguir realizar hospitalizações eficazes e com tempo reduzido se tornou fundamental para girar mais os leitos e tratar um maior número de doentes.
Quando o seu paciente deverá ter alta?
Se a sua resposta for “Não sei, depende de como ele evoluir”, continue lendo!
Como médico hospitalista, tenho trabalhado a questão do tempo de internação atuando como assistente, coordenador de equipes, preceptor de médicos residentes e consultor. Ao longo dessas experiências, alguns problemas se repetiram em quase todos os hospitais.
A internação prolongada é um problema complexo, resultado do perfil do paciente, condutas médicas e também de falhas em diversos processos que nem sempre estão ao alcance da atuação do médico. Contudo, neste artigo comento hábitos que nós, médicos, às vezes desenvolvemos e que contribuem para a permanência desnecessária no hospital.
Seja você um médico assistente ou gestor de equipes médicas, a autocrítica sempre é válida (eu mesmo já incorri em vários desses hábitos), e recomendo ver se algum dos itens abaixo não está presente no seu dia-a-dia.
- Não fazer planejamento terapêutico: “Quando o seu paciente deverá ter alta?” Se a sua resposta for “Não sei, depende de como ele evoluir.” você se encaixa aqui. É claro que você tem uma hipótese diagnóstica e uma conduta de investigação/tratamento para hoje, mas é necessário ir além. A internação hospitalar é como um projeto (com início, meio e fim) com graus variados de incertezas e riscos, e se você não traçar um plano de execução precocemente, vai ser levado conforme as circunstâncias. Isso poderá não apenas aumentar a permanência, mas fazer você perder o foco do caso e ser induzido a erros na condução da terapia, com risco ao paciente. O objetivo da internação é a alta hospitalar: defina com clareza o que é necessário para seu paciente ter alta e trace um plano para conseguir isso; só assim você conseguirá responder àquela pergunta inicial com alguma precisão.
- Querer fazer toda a investigação/tratamento durante a internação: isso é muito comum em hospitais acadêmicos, onde o interesse por “ver” todo o ciclo hipótese-investigação-tratamento-resultado é natural ao processo de aprendizagem. Contudo, não justifica manter o paciente internado se alternativas em regime ambulatorial são seguras e disponíveis. Aliás, muitas vezes esse hábito deriva de uma falsa impressão de que é mais seguro fazer tudo com o paciente internado, o que nem sempre é verdadeiro. Lembre que o hospital é apenas uma das partes do sistema de saúde (privado ou público) com um papel específico, e deve estar integrado à estrutura ambulatorial e de atenção domiciliar.
- Ajustar as medicações para administração por via oral apenas quando o paciente já tem condição de alta hospitalar: se você traçou um plano terapêutico e ele está dando certo, muitas vezes é possível antecipar esses ajustes para dois ou três dias antes da data estimada de alta. Exemplo mais comum desse problema é começar o ajuste do anticoagulante oral apenas quando o paciente já tem condições de alta.
- Manter o paciente internado “a pedido”: comum em situações de insegurança do paciente e/ou da família, que precisam ser trabalhadas em vez de reforçadas com a anuência do médico assistente. É também uma das motivações para o hábito número 5, a seguir.
- Manter o paciente “sob observação” um ou mais dias antes de efetivar a alta: ainda que justificada para algumas situações, estender a internação por mais dias para observar se o paciente vai ficar bem ao final da terapia pode, paradoxalmente, expor o paciente a riscos e intercorrências (ex.: delirium).
- Não verificar o grau de suporte familiar para o momento da alta: é importante conversar cedo com a família sobre a alta e estar atento a problemas relacionados com a transição do cuidado e o destino pós-alta do paciente, envolvendo precocemente a equipe multidisciplinar, assistente social e serviços de atenção domiciliar quando necessário.
- Solicitar avaliação de especialista em excesso e/ou com questionamentos vagos: as recomendações do especialista podem ser amplas demais se você for vago na solicitação e nas dúvidas. Se, aliado a isso, você ainda solicitar a avaliação de muitos profissionais, o retorno das avaliações poderá resultar em confusão e contradições na sua conduta. Utilize a avaliação do especialista com critério e de forma sábia.
- Solicitar exames complementares cujo resultado não altera o plano terapêutico: sempre que for solicitar um exame (principalmente aqueles de maior custo e/ou com maior prazo para realização e resultados) se pergunte antes qual será a sua conduta mediante os possíveis resultados. Se houver alternativa mais rápida (outro exame) que responda adequadamente sua dúvida ou se o resultado não vai mudar seu plano terapêutico, não solicite o exame apenas “por rotina”.
- Não revisar o prontuário: além de uma boa anamnese, coletar informações de diagnósticos e exames prévios relevantes no prontuário podem poupar o paciente de repetir investigações durante a internação.
- Solicitar transferência para leito em hospital de alta complexidade quando há alternativa segura com breve agendamento em ambulatório especializado: muitas vezes o diagnóstico realizado durante uma internação demanda uma investigação e tratamento de maior complexidade indisponível no hospital, mas não urgente. É comum a via por agendamento em ambulatório especializado ser mais ágil e segura do que a opção de aguardar transferência com o paciente internado para um hospital de alta complexidade. Sempre verifique essa alternativa nessas situações.
Que outros hábitos você identifica com frequência na prática clínica e que também levam à internação prolongada? Fique à vontade para comentar nesta publicação.
*VINÍCIUS É CONSULTOR DA EFICIÊNCIA HOSPITALISTA.
MÉDICO HOSPITALISTA, MBA GESTÃO EM SAÚDE
PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV)
E ELABORADOR DO MANUAL DO NIR,
DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.