Vinícius Sabedot Soares*
A falta de leitos nos hospitais brasileiros é pauta recorrente no noticiário. É um problema real, não há dúvida. Faz com que as Emergências fiquem superlotadas, expõe os pacientes a riscos, podendo culminar em óbitos evitáveis. Se abrirmos mais leitos, resolveremos tudo?
Como qualquer problema no setor Saúde (assistência ou gestão), essa é mais uma questão de caráter complexo. E abordar tais problemas de causa multifatorial com soluções simplórias pode piorar as coisas. Então, fica a provocação: o que é a “falta” de leitos? Quais as suas origens? Estamos sendo superficiais nessa questão?
Pensando apenas na estrutura, vemos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima a média global de leitos em torno de 3,2 leitos por 1.000 habitantes, sendo que a nossa densidade, em 2019, era de 1,95 leitos. De 2010 a 2019, o número total de leitos no Brasil caiu de 435.793 para 410.225 (redução de 5,9%). Contudo, se estratificarmos por leitos privados ou públicos, veremos que, na realidade, houve aumento nos leitos públicos da ordem de 6,6% no mesmo período (ainda que com redução nos últimos três anos). Temos ainda que levar em conta as diferenças quando olhamos em nível regional, pois a maior parte desses leitos está concentrada nas regiões Sudeste e Sul.
Falamos muito nos números, mas pouco em como se dá o acesso a esses leitos. Aqui entra uma questão-chave: o aumento da oferta não gera, necessariamente, valor para o paciente se essa estrutura for incompatível com suas necessidades e utilizada inadequadamente. Talvez devêssemos, também, nos preocupar mais em utilizar melhor o que já temos.
Regulação
A regulação em saúde é um conceito amplo, que envolve ações em diversas dimensões de um sistema de saúde. Os leitos hospitalares devem ser pensados nessa ótica, desde ações macro (como planejamento e financiamento) até as ações de Regulação do Acesso à Assistência. Dessa forma, buscamos garantir o uso correto do leito hospitalar: que tipo de leito (complexidade e recursos diagnósticos/terapêuticos associados), para quem (necessidades) e quando acessar (prioridades).
Todo paciente com pneumonia precisa ser internado? Sempre devemos completar o tratamento com antibiótico sob regime hospitalar? Ainda que a reposta “não” seja óbvia para o leitor, a realidade é outra. Basta dar uma volta, agora mesmo, pelas enfermarias do seu hospital e garanto que você encontrará um doente com esse diagnóstico internado desnecessariamente. E esse é apenas um exemplo de muitas situações de alocação de pacientes ou manutenção de internação que geram mais risco do que benefício ao doente, além de comprometer o uso eficiente da capacidade instalada.
Em 2013, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Hospitalar, recomendando a criação de Núcleos Internos de Regulação (NIR) nos hospitais. Eles têm por objetivo sistematizar com qualidade as ações de regulação e acesso dos pacientes ao hospital, trabalhando em sintonia com os Complexos Reguladores. Sua rotina deve estar alicerçada em conhecer com clareza o perfil da instituição e quais os pacientes que devem estar acessando a estrutura, fazer a interface com os Complexos Reguladores, com outros hospitais e demais pontos da Rede de Atenção à Saúde. Além disso, devem desenvolver e monitorar os indicadores do uso da capacidade instalada, dando suporte à gestão e tomada de decisão. Quando bem implementado, o NIR facilita o fluxo seguro de pacientes, aumenta o giro de leito e garante a alocação correta das admissões.
“O seu hospital tem um NIR para ajudar no uso eficiente e criterioso dos leitos? Como ele vem desempenhando esse papel? Quais resultados tem sido alcançados?”
Com uma população cada vez mais idosa e doenças crônicas mais prevalentes é natural termos de lidar com quadros agudos mais graves, que demandam internação. Precisamos de mais leitos, sim. Mas, também, precisamos fazer uma análise crítica de como usamos os que existem e buscar torná-los mais eficientes.